quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
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Quando eu era criança, o gostoso era, antes do natal, perceber que o pinheiro não era de plástico, vinha da grande árvore que tinha na casa dos meus avós, lá do outro lado da ponte, lá do continente, com muito esforço, mas muito carinho. E as bolinhas de vidro? Acho que eram mais antigas do que eu podia imaginar à época. Deviam vir lá de Blumenau e ai da gente se quebrasse uma! Na realidade, não acontecia nada mais do que um sermão afetuoso de minha tia e, em algum momento, sem exageros, fariam reposição, nunca mais seria a mesma bolinha. Eram tão bonitas, daquele cristal fininho. E tinham ainda velinhas, com pregadores já meio enferrujados, mas a gente adorava ajudar a colocar no pinheiro.
O presépio era secular. O menino Jesus já meio machucado, de algumas quedas ao longo dos anos, fazia parte do acervo, junto com os pastores, as ovelhas, o boi, o burro... ah! do burro eu gostava, parecia estar olhando pra gente. Também eram relíquias que vó Inês guardava a sete chaves, num baú embaixo da escada, numa espécie de sótão misterioso, junto a uma coleção de livros do Proust.
Acho que o natal eram os avós, era o renascimento deles após um ano de acolhimento generoso, quieto e incondicional. Era celebrar a vitalidade deles ao final de mais um ano. Era prestigiar o seu talento que fazia conciliar o inconciliável, curava com amor os desaforos e regava com paciência o desespero. Eram as suas terapêuticas milenares para as desavenças familiares.
Não costumo ser saudosista nessa época, acho que nem gosto de lembrar muito, mas este ano é inevitável. Foi um ano difícil. E, talvez justo por isso, pude sentir ao meu redor mais intensamente tanto as presenças - de amizade, amor, afeto carinhoso e apoio dos que me cercam no meu jardim dos anos recentes - quanto celebrar essas ausências presentes, como a das minhas avós, a do meu avô Bernardo que faz tanta parte da minha vida, como se não tivesse se despedido quando eu era muito, muito criança.
O natal deste ano pra mim é uma parada no tempo, apenas uma espécie de pausa, como numa música, que permite respirar, reconhecer o caminho trilhado, tomar rumos, dar as mãos, livrar-se de pertences desnecessários...
Este natal me deu muitos presentes: sorrisos das crianças para quem cantamos e arrecadamos brinquedos e doces, abraços de esperança de meus amigos, sensibilidade e solidariedade sincera e, claro, amor. Esse "amor dos avós", como diz o Zinker (gestalt-terapeuta e artista), que não pede nada e nutre a quem ama celebrando a sua existência.
Ilustração: Van Gogh - The Mulberry tree