o labirinto e a serpente

sábado, 26 de setembro de 2009

hoje fui encontrada por um livro, ou melhor, por acorde¹ de abel guedes.
não dá para definí-lo somente como um livro, embora não deixe de ser em livro a forma como o autor traz tanta vida, com simplicidade no falar, mas muita intensidade e sensibilidade no tocar o leitor (ou co-autor, como abel nos chama nesta obra de arte). acorde é uma conversa de "eus" e "nós", de dores e amores, de gentileza e respeito, de liberdade e sentimento, daquilo que somos e nos reconhecemos no mundo. e olhem que ainda estou no meio da jornada nesta leitura! falta-me (re)começar a parte "Experimente Experimentos".




ler me trouxe muitas ideias e renovações nos sentidos, uma delas é o labirinto e a serpente, ainda em construção:

(du)elo: o labirinto e a serpente

você é muito inteligente, diz a serpente
pena mesmo é que você não é nada sem que haja gente,
você não sente,
não é como eu, você não pulsa,
não é como eu, que uso todo o meu corpo e posso
encantar, envolver, transpirar, serpentear
e trazer em mim todo o feitiço, toda a magia,
para realmente fazer com que se percam em mim...

você é muito inteligente, serpente,
pena mesmo é que você não é gente,
nem é suficiente,
vira-se, mexe-se, arrasta-se, encanta-se
e não vê que ao tentar encontrar quem se perca em você
perde-se enfim no feitiço de serpentear e não sabe a quem mais
gostaria de encantar...

será? (desconfia em pensamento a serpente)

e este duelo, pra quê?
labirinto, eu nem deveria ouvir você.

serpente, deixo que em mim se percam
deixo que em mim se encontrem
e no meio desse caminho
quem sabe eu possa ouvir sussuros, risos,
povoar meu lar de surpresa e encanto,
sou tão só se não me buscam que me perco
chego a achar que entrei no labirinto de mim
e quando me visitam, minha solidão se reparte
quase creio que não sou só...

labirinto, também me sinto só...

(e a serpente serpenteia e vai-se, labirinteando pelos corredores dele).

Notas:
1: a referência desta obra é:
guedes, abel. acorde são paulo: perspectiva, 2009.
Ilustração: Cláudia Sperb - jardim das serpentes - xilogravura, disponível em: Gravura Brasileira

Laissez-faire?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Deixai fazer?

Tenho os olhos úmidos, misto de dor, raiva e tristeza
Fiz de mim dois mundos, e nenhum deles me abriga mais.
Quando trago o peito cheio de chama e chamo
Ninguém vem.
Quando choro baixinho para que não ouçam, não vejam, não digam,
Todos vêem e ninguém vem.
"Laissez-faire... não é você... deixai fazer.. deixai estar... deixai passar..."
Abra os seus braços e se ajoelhe, agradecendo por poder chorar.
Celebre a renúncia daquela resposta, daquele revide e dê a outra face
E terá sempre razão.
Só não pergunte, ou não saberá qual razão das todas que por aí estão.


Ilustração: Goya - La Maja vestida

Catacreses

segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Céu da boca:
A poesia o esqueceu.
Dente de alho:
Saboreie esta palavra.
Asa da xícara:
Sonho eterno de voar.
Bico da chaleira:
Fala enquanto cala.
Cabeça de cebola:
Quanta sanidade!
Mundo inanimado:
vasta humanidade.









Ilustrações: Escher (http://www.mcescher.com/)

Flores de plástico?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


A surpresa abriu seus olhos até não mais poder
E nada era possível sonhar
Estava despida daquela tristeza momentaneamente
Encontrava brilhos secos nos olhares
E ouvia música nas vozes de quem sussurava e de quem gritava
Não tinha sonhos, nem futuro, nem passado
Pois a cor do seu caminho era indistinguível
Só sabia que a rua onde morava não existia mais
A casa onde crescera não era mais
Os filhos que tivera não viviam mais
E presumia estar só
Não era fantasia, nem havia flores de plástico
Nem um rastro
Nem uma poesia
Andava e não se via
Espelho não havia
Estava só.

Ilustração: Madame Matisse - by Henri Matisse